Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

Como é fácil supor, não eram somente os homens que tinham o direito de possuir escravos: estes também podiam ser propriedade de mulheres, solteiras ou viúvas - adquiridos por compra ou herança. A verdade disto está em parte exemplificada em dois casos de libertação de cativeiro de que nos vamos ocupar hoje.

No ano de 1758, Eugénia Maria de Santa Rosa, moradora na quinta de Segade, freg.a de Bustelo, era senhora de um escravo, chamado José Meneses, que ela herdara, à morte do seu pai, João da Cruz de Sousa. Um dia resolveu conceder-lhe inteira liberdade, para fazer uso dela «em toda a parte», como muito bem lhe aprouvesse. Neste propósito, aproveitou os bons ofícios do seu cunhado, Dr. António de Mendonça Barbosa - segundo creio, dono da quinta de Segade - para ele tratar, na qualidade de seu procurador, das formalidades requeridas, a fim de tornar efectiva essa libertação.
A 14 de Out.º, do referido ano de 1758, em casa do tabelião Bernardo Teixeira Pinto, na vila de Arrifana de Sousa, o bacharel Mendonça Barbosa, em nome da sua constituinte, «por cervisso de Deos, dava Carta de Alforria e Livardade ao dito escravo Joze Menezes». Liberdade completa, sem peias de qualquer natureza! Não era pequeno serviço de Deus libertar assim um homem das malhas apertadas da escravatura...
Contrasta a franca generosidade da Eugénia Maria com a liberdade condicionada que fora concedida a um mulato por uma viúva de Arrifana de Sousa, residente no lugar de S. Bartolomeu. Ela chamava-se Maria Leal Ribeira; o seu escravo era solteiro e tinha o nome de Manuel Pereira. Porque este a servira sempre com muita dedicação - «com muyta satisfaçam e fydelidade e inteyreza e verdade», como se lê no texto - houvera por bem libertá-lo da condição de cativo. A carta de alforria foi-Ihe passada a 25-1-1740. O acto revestiu-se de certa importância externa porque realizou-se numa das casas principais de Arrifana de Sousa, qual era a morada - no Largo da Sr.a da Ajuda - de Sebastião Pereira do Lago, que assinou como testemunha, juntamente com seu filho, o L.do Jacinto José Pereira Leal. O tabelião Tomás Teixeira de Sousa escreveu o documento. Até aqui, tudo muito certo. Mas agora o que não logro compreender é que a viúva Maria Ribeira mandasse exarar na carta de alforria «a condjçam e obrigaçam» de o mulato «se imbarquar para as partes do Brazil, sob pena de ficar sempre escravo - «como athe agora o hera» - se permanecesse «neste reyno de Portugal». Então nem ao menos num remoto cantinho deste reino? Bem o merecia quem serviu sempre com fidelidade, inteireza e verdade...
Que mesquinhez!
MONAQUINO
In jornal de Notícias de Penafiel, 1969-08-29, p.06


publicado por candeiavelha às 00:19 | link do post

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