Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

Em todos os tempos existiu no homem o desejo de se elevar económica e socialmente acima do meio em que nasceu, mas nunca talvez como hoje essa aspiração foi tão comum e os meios de a efectivar estiveram ao alcance de tantos.

A observação deste fenómeno hodierno, tão generalizado, dispõe-nos o espírito, por natural associação de ideias, a observar a singularidade de que se revestiu a promoção sócio-económica dum ramo dos Ribeiros Nunes de Peroselo, na primeira metade do séc. XVIII.
Da última vez, examinou-se aqui, resumidamente, o caminho trilhado pelo P.e Domingos Ribeiro Nunes para se tornar possuidor dum canonicato na Catedral do Porto. Vejamos agora a projecção que este facto teve no seu meio familiar.
O cón. Ribeiro Nunes teve um irmão, chamado Manuel, com o mesmo apelido, que morou em Vilarinho, freg.a de Peroselo, e foi casado com Maria Ferreira da Cruz, de cujo matrimónio houve filhos.
Dos rapazes nomeiam-se apenas o António e o Domingos, que seguiram a vida eclesiástica. O primeiro — P.e Ant.o Rib.o Nunes — que era o mais velho, foi pároco encomendado de Várzea de Ovelha e Abragão (desta paróquia, a partir de 1738), como mais tarde também «beneficiado» não sei de que igreja ou colegiada; quanto ao P.e Domingos — homónimo do seu tio cónego, já conhecido — foi o sucessor deste na conezia que possuía na Sé do Porto, havendo tomado posse em 30-4-1728, «por coadjutoria com futura sucessão; apenas recebida para isso a prima tonsura, condição mínima exigida naquele tempo para a recepção de benefício canonical. O P.e Ant.o Rib.o Nunes faleceu na casa que fora de seus pais, em Vilarinho, a 15-7-1769; o irmão cón. Domingos (júnior) morreu na cidade do Porto em 10-10-1755, e foi sepultado na Igreja dos Clérigos. Deixemos por ora outros pormenores da vida destes eclesiásticos para nos ocuparmos somente da elevação social de duas suas irmãs.
O cón. Domingos — tio dos dois clérigos de que falámos — em data para mim desconhecida, entrou na posse duma importante propriedade, «sita fora do postigo de Santo António do penedo» da cidade do Porto, a que se dava o nome de Quinta da Boavista. Foi aí que o cónego morou muitos anos e passou da vida presente em 1744. A casa devia ser muito ao gosto do séc. XVIII, pois até nem lhe faltava adjunta uma «Capella de Nossa Senhora da Conceipção», pertença da mesma quinta. Não há dúvida que tinha o ar distinto duma casa fidalga da época de setecentos.
Como o cón. Domingos era de temperamento muito afectivo e muito dedicado à família, trouxe para a sua companhia duas sobrinhas, filhas do irmão Manuel e de sua mulher Maria da Cruz.
Estou em dizer que então aquela morada da Boavista mais se aformoseou, porque mais batida do sol: com mais luz irradiada da presença juvenil daquelas duas meninas. Tinham elas recebido na pia baptismal, em Peroselo, o simples nome de Teresa e Mariana, mas por exigência do novo ambiente, em que agora se encontravam, passaram a denominarem-se Teresa Angélica e Mariana Luísa Clara.
Na aldeia de Vilarinho, o pai das meninas — honrado lavrador, muito considerado por todos — era agraciado também com a patente de Alferes.
O cónego não descurava entretanto a educação das sobrinhas ao nível corrente na classe média do tempo.
Tudo se ia preparando para não faltarem mais tarde pretendentes à mão das simpáticas donzelas, oriundos duma esfera social mais alta do que aquela donde provinham as sobrinhas do cón. Domingos.
Assim foi calculado e assim aconteceu, como ao diante se verá.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1971-12-17, p.04


publicado por candeiavelha às 06:20 | link do post

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