Se me fora dada possibilidade de retrogradar no tempo e de novo dar vida aos ambientes extintos da velha Arrifana, com certeza não deixava de o fazer, quando mais não fosse para visitar todas as «lojas» de escultores de santos que tanto abundaram aqui, pelo menos nos sécs. XVII e XVIII. Sem pretensões de crítico entendido em matéria de arte, sempre apreciei muito a obra dos 'imaginários» em todas as suas formas de expressão — da vulgar e ingénua à reveladora do mais apurado senso estético. Presentemente, parece que esse meu pendor natural mais se me arraigou ainda na alma, por efeito de saudável reacção contra os ventos iconoclastas desencadeados no nosso tempo. Não faz pena, amigo leitor, ver por aí, nos múltiplos e variados ferros-velhos, tantas imagens de santos que foram objecto de entranhada devoção dos nossos maiores?
Mas como ia dizendo, no caso de me ser possível reconstituir o passado, havia de aproveitar a primeira oportunidade para conversar demoradamente com os «imaginários» que viveram outrora no burgo de Arrifana. Era à porta de António Teixeira (o do Penedo) que iria bater em primeiro lugar, por ser ele talvez, dentre todos, o mais favorecido de talento. P. Leal refere-se a este «escultor insigne» e esmerado pintor que, segundo diz, nunca recebeu «lições de mestre». Ele é o autor da «imagem do Senhor dos Passos, que vai na sua procissão, reputada obra-prima, e ainda de muitas das imagens que adornam várias igrejas e capelas da cidade e arredores». Como preito de profunda admiração, havia de o saudar cortesmente, para logo encaminhar nossas falas no sentido de indagar do seu modo de conceber a imaginária, dos modelos escolhidos para as suas obras e sobretudo em ordem a saber que estranhas influências possam ter actuado no seu espírito como factores determinantes da génese da sua criação artística.
— «Escultor insigne» sem haver «lições, de mestre»? Estou convencido de que não foi bem assim. A meu ver, a arte de António Teixeira — mesmo que não se lhe reconheçam todos os primores que lhe atribui P. Leal — foi uma esplêndida floração em cujas raízes se deverá assinalar a acção fecunda de várias gerações de «imaginários» que anteriormente a ele, constituíram em Arrifana uma verdadeira escola de esculpir em madeira, ainda que algumas vezes de somenos valia. E quem me diz que o referido escultor (o do Penedo) não contou entre os seus ascendentes um João Figueiredo Penedo, «escultor imaginário», que «se recebeu» com uma Úrsula Fer.a de S.a, na Matriz de S. Mart.° de Arrifana, em 7-8-1710? Para findar, direi mais que experimentaria sumo regalo se um dia pudesse ver uma exposição de arte sacra em que figurassem as obras ainda existentes de tantos «imaginários» (incluindo Manuel Velho) que viveram e amaram tão nobre mester na terra de Penafiel.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1970-10-30, p.04