As artes e ofícios que floresceram outrora em Arrifana de Sousa não podem deixar de ser considerados factores importantes do seu progresso. Como tais merecem ser postos em relevância no «festivo ciclo» — ainda decorrente, Deus louvado! Humildes embora alguns desses mesteres deram todos quota parte de valia para o engrandecimento do burgo: daí a razão de ser desta singela evocação.
Um dia me ocorreu a ideia de organizar um pinturesco cortejo (em escrita, é bem de ver) de quantos artífices, oriundos ou moradores na terra, me iam aparecendo ao longo de velhos manuscritos, a cuja leitura era muito dado então. Nesse fito, cheguei mesmo a juntar boa soma de nomes de mesteirais que vai agora servir de base a esta anotação ligeira. Apontarei a esmo artes e ofícios, sem me prender com distinções de nobreza — já que a houve em certo modo também nesta matéria, tida vulgarmente de natureza plebeia. Mais queria acrescentar ainda ter-me valido, nesta amena tarefa, dos livros de registo paroquial de S. Martinho de Arrifana de Sousa. Vem a propósito dizer-se que estes «livros findos» só tiveram início no ano de 1610 — coisa mui lamentável, sobretudo para os apaixonados linhagistas. Como é sabido, o registo paroquial dos baptizados, casamentos e óbitos só começou a ser obrigatório em toda a parte a partir do Concílio Tridentino e por isso é que a quase totalidade dos livros existentes só teve princípio no último quartel do séc. XVI, ou depois disso. Dentro do nosso concelho, constitui uma excepção o registo paroquial de S. Miguel de Paredes, freguesia que o conta desde 1542— graças à iniciativa do Abade António Dias, que já então o iniciara.
Avezado como sou a divagações, vejo-me agora com míngua de espaço para versar hoje o tema das artes e ofícios de Arrifana... Tenho de contentar-me por isso com transcrever somente um termo de casamento do L.o 3.° do R. Paroq. desta freguesia de S. Martinho, que lá vem a fls. 50 — maneira prática até de se mostrar a utilidade variada de tais livros do passado. O assento diz assim: «António Ferreira de Sousa, preto forro q. ficou do Padre Manuel Delgado Duarte deste lugar, official de Sapateiro, vindo de Pernambuco em pequeno, e criado neste ditto lugar em Casa do ditto Padre, e nelle sempre morador; se recebeo em Matrimonio por palavras de presente em face da Igreja, e na minha presença e das testemunhas infra asignadas na forma do sagrado Concílio Tridentino e Constituiçam deste Bispado; Com Jacinta Correa, mulher branca, filha legitima de Paulo Ribeiro, peneireiro, e de sua mulher Anna Correa, a tripeira do Pelourinho, deste lugar, e freguesia. Aos vinte e sette de Março do anno de mil e settesentos, e dezanove. Sem bênçãos por nam ser tempo dellas, e ella ter //...//; de que fiz este termo na verdade, dia, mes e anno ut supra.
O Rector Manoel Carn.ro da Silva».
No termo transcrito, além do mais, surge à baila um «official de Sapateiro», um «peneireiro», mai-la sua mulher, «a tripeira do Pelourinho»... Côr e vida de velhos manuscritos!
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1970-07-24, p.01