Haverá quem não goste desta palavra autenticidade? O apreço que alimentamos por ela nos advém por ventura dos tempos de menino e moço, de quando algum dia pela vez primeiro fizemos telintar, sobre material duro, moeda de feição e metal duvidosos, tendo verificado por fim — com grande mágoa e revolta interior — que houvéramos sido ludibriados por outrem.
Isto de alguém não ser autêntico, nas diferentes relações humanas de cada dia, não se assemelha muito ao pecaminoso acto de se impingir moeda falsa a quem quer que trate ou conviva connosco? Entre as várias formas de convivência ou humano comércio, bem se entende ocupar lugar importante a arte de escrever — muito apurada ou de jeito rústico — até mesmo tratando-se de coisas de somenos valia. Nasce daí a responsabilidade de quem pretendeu em qualquer ocasião transmitir por escrito alguma coisa da sua lavra — seja a presentes ou vindoiros.
Não dirá alguém, nesta altura, serem estes considerandos matéria impertinente e sobretudo desarticulada do tema de que, há semanas já, me venho ocupando aqui? Parece-me que assim não acontece, visto que o intento de todo este arrazoado visa a concluir, em primeiro lugar, que o P.e H. Moreira da Cunha foi homem de grande mérito literário ao elaborar em base de pura autenticidade o nobiliário que nos legou. Prova evidente de que assim procedeu, está no facto de ter gastado anos a percorrer várias terras compilando testemunhos orais ou escritos, em que assentou todas as afirmações do manuscrito, conforme honestamente confessa no breve prólogo que antecede a sua obra.
Demais, no trabalho que fez — como por via de regra sucede nos livros antigos de carácter genealógico — o P.e Henrique praticou omissão quase absoluta de datas referentes às pessoas e acontecimentos de que nos fala. Por causa disso, senti necessidade de consultar miudamente os livres velhos do Registo Paroquial de todas as freguesias de Penafiel e de muitas outras de concelhos circunvizinhos. Ao longo desta prolongada tarefa, jamais pude dar conta de qualquer inexactidão existente no manuscrito do P.e Moreira da Cunha — quer dizer, tudo o que se encontra ai é rigorosamente autêntico. No caso particular respeitante ao Cónego Manuel Moreira de Peroselo, tenho a dizer mais que, além do recurso do registo paroquial e do seu testamento, transcrito nos livros da Provedoria, pude valer-me também doutra fonte, qual é a do Livro dos Termos das posses canonicais. Remonta este a 1614 e ainda é usado hoje para lançamento dos mesmos termos. O leitor amigo poderá imaginar a emoção que senti ao ler o termo de posse do Cónego Santo e também aquele breve registo do óbito e enterramento, onde o Cón. Alão deixou afirmado ter sido o Cón. Manuel Moreira um «varão de muita virtude». Esta nota «de muita virtude» é deveras singular e eloquente, pois não se encontra semelhante em nenhum outro assento obituário, dentre os muitos que lá foram exarados.
Julgo, por certa maneira, ter sido posta em relevo a autenticidade da obra do P.e Henrique de Parada. Honra seja dada ao seu carácter impoluto — tanto mais bem merecida, quanto é certo alguns dos genealogistas do século em que viveu (o século XVIII, como sabem) não se terem pejado de forjar falsas ascendências na estulta mira de se glorificarem a si mesmos e à família donde provieram.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1971-06-18, p.04