Seja-me consentido falar outra vez do P.e Francisco Coutinho Pereira.
Sempre que passo na estrada de Penafiel, meus olhos se hão-de volver para a igreja de Marecos e lugares circunvizinhos, acudindo-me logo à lembrança todo o memorial que tenho arrecadado sobre a pessoa deste abade setecentista. Quase sem eu dar por isso, foi-se ele constituindo para mim numa espécie de símbolo dos Abades do século XVIII. Daí se compreenderá o empenho que tive de conhecer bem todo o seu modo de ser: acções, ideias e sentimentos que deram forma à sua personalidade. É muito natural, pois, que ao descobrir da estrada a Matriz de Marecos, prontamente me venha à memória ter sido o P.e Francisco quem «a mandou construir», no ano de 1728, sem esquecimento de que lá dorme o eterno sono, na capela-mor do templo, por expressa vontade sua. Conjuntamente me lembra também havê-la contemplado este Abade, no testamento, com «cem mil reis»— avultada quantia naqueles tempos —, dinheiro que o seu parente José Luís Pereira devia escrupulosamente administrar; «para com elles aprefeiçoar quanto for possível a Igreja por dentro com os dous altares Coletrais e mais quanto for possível». Alguns outros «bens d'alma» se encontram consignados ainda nas disposições testamentárias do Ab.e Coutinho Pereira. Entre mais coisas, lá vem declarado: «...e no dia do meu enterramento a cada pobre mayor darão de esmolla hum tostão a cada hum, e aos de fora da freguesia, não excedendo estes o numero dos cem, se dará a cada hum meyo tostão de esmolla, e excedendo, se lhes dará o que puder ser...». De seguida, assim determinou para maior bem da sua alma: «...e se me farão tres officios de dez Padres cada hum e me mandarão dizer logo duzentas missas no altar privilligiado da Capela de Barboza, de esmolla de tostão cada hua». «Bens d'alma considerou ele também as terras do «Cazal de Souteilo» e o «Campo das Senras» e «as cazas novas com seu tapado» e ainda mais «o campo chamado de Ametade e o Lameiro de Alem» — tudo propriedade sua — que deixou em herança aos parentes e familiares João e José Pereira, afim de constituírem o seu património (obrigatório por lei eclesiástica), no caso de se ordenarem, quer dizer, de abraçarem a vida sacerdotal.
E não cabe mais neste lugar referência alguma aos «bens d'alma» nomeados no testamento deste Sr. Abade.
A distância de perto de duzentos e cinquenta anos, após a morte do P.e Francisco, será ainda grande bem para a sua alma que os bons paroquianos de S. André de Marecos, ao transporem a porta principal da sua igreja matriz, não se esqueçam de evocar —em prece saída do coração — a memória dum Abade que tão amigo foi da freguesia que pastoreou não muito longe de meio século.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1971-04-16, p.04