Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

Eugénio de Castro, em «Chamas duma Candeia Velha», escreveu:

A candeia está velha, o azebre esverdinhado,
Manchando-a, atesta bem a idade que a corcova;
Mas o azeite, que a enche, é copioso e doirado,
E na candeia velha arde uma chama nova!

Nos meus tempos de Coimbra, conheci muito bem o Poeta - já um tanto alquebrado de forcas físicas, levemente coxeante, apegado a uma bengala, sem contudo haver perdido aquela aristocracia tão peculiar do seu porte e da sua Arte de fazer Versos. (Apesar de vivermos em maré francamente democrática, nas ideias e nos costumes, a aristocracia ainda infunde respeito, dada a superioridade que patenteia, quando é verdadeira!) Julgo que Eugénio de Castro terá morrido de desgosto por lhe terem demolido a sua Casa, na Alta, que a Universidade cobria com sua sombra, imolada em holocausto à nova Cidade Universitária. O P.e Américo dos Gaiatos - poeta também a seu modo, e da mais fina sensibilidade, que o visitava amiúde - contara-me como ficou dolorosamente impressionado quando um dia lhe entrara em casa e surpreendera o Poeta, no meio dos livros, desordenadamente dispostos, da sua magnífica biblioteca, que já começara a ser desmantelada - de pé, ensimesmado, meditabundo, como possuído de mágoa fatal... Ao recordar este facto, experimento sempre também uma impressão dolorida - tanto mais que ali mesmo fora gentilmente recebido por Eugénio de Castro. E já que me pus a folhear o meu livro de recordações coimbrãs, vou permitir-me dizer como conheci a esposa do Poeta, já enferma, pouco tempo antes do seu passamento. Fui vê-la com o P.e Américo a um dos quartos do Hospital da Univ., pois queria muito conhecê-la, tantas coisas me dissera ele da sua autêntica fidalguia. Fomos os dois, e, de facto, ainda lhe pude ouvir palavras de clara expressão de quem era uma verdadeira Fidalga. A «candeia velha» do Poeta coimbrão manteve-se, até final, bem cheia do «copioso e doirado» azeite e, por isso, ardeu sempre nela «uma chama nova». E que grande, chama! Agora estoutra «candeia», também velha de muitos anos, pertença de uma pobre beócio, - é que não tem nada que se pareça com a do Poeta. Só numa coisa: no «azebre esverdinhado». Sim, que a chama foi sempre mortiça, devido à má qualidade do azeite que a encheu toda a vida. Por vezes, inesperadamente - como há pouco sucedeu - nova e grossa camada de «azebre esverdinhado» se acrescenta. Desta vez, foi uma impertinente «asiática» que me tirou todo o apetite de fazer alguma coisa.
E tanto para se dizer neste ano do bicentenário...
Hoje, passei o tempo em divagações, bem gratas ao meu espírito; amanhã, se Deus quiser, será à volta das coisas da nossa antiga Arrifana, muito queridas também.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1970-01-30, p.06

 



publicado por candeiavelha às 00:30 | link do post

Palavras chave

todas as tags

Contacto
"Luz de Candeia Velha"

COM A COLOBORAÇÂO DO

 

 

 

blogs SAPO