Assim como há seres vivos que entram anualmente em hibernação, também o espírito humano de vez em quando cai numa espécie de letargia. Porque não à parte dos outros homens, estou sujeito a essa lei da natureza. Ainda há pouco isso me aconteceu. Claro que nesta época hiemal há a tentação de se deitarem as culpas ao flagelo das geadas, ao furor das procelas e quejandos fenómenos característicos da presente estação, — mas na realidade será mesmo essa a causa verdadeira do mal? Pouco entendo da matéria e da maior parte das coisas que sucedem dentro e fora de mim. Sem fazer profissão de pirronismo, julgo que todo o homem, por muito evoluído que seja ou dotado até duns tantos dons carismáticos (tanta vez moléstia da fantasia!) — só topa mistérios no seu íntimo e à sua roda. Não é isto que se dá com o comum dos homens?
Mas afinal, leitor amigo, era apenas meu intento dizer agora que ainda desta feita logrei sobreviver e, se não me engano, a luz da velha candeia vai de novo espevitar-se. E sem mais aquelas, por amor de descarrego da consciência, apresso-me a cumprir uma promessa, que fiz há meses, de falar aqui dos descendentes dum tal Francisco Pereira de Beça Veloso de Barbosa, oriundo de Penafiel, que alcançaram renome em terras do Brasil.
Num dos vários encontros com Abílio de Miranda nos últimos anos da sua vida, de que guardo grata memória, o venerando pesquisador das velharias penafidelenses mostrou-se-me deveras interessado em obter certos dados genealógicos respeitantes ao Dr. Ant,° de Almeida, a fim de poder satisfazer a curiosidade de um distinto cidadão brasileiro que havia pouco tempo viera à nossa cidade, propositadamente, à busca de tais elementos, por lhe constar que a sua pessoa estava ligada, por laços de sangue, à família do notável médico e historiador. Regozijei-me com a oportunidade que me era oferecida de poder ser prestável então ao bondoso e erudito A. de Miranda, porque, além de tudo mais, já nessa altura lhe devia valiosas informações congéneres. O esclarecimento pedido foi enviado pela mão do meu prezado amigo ao Dr. Benjamim Pereira Monteiro, residente na avenida Galogeras, no Rio de Janeiro — que tinha sido este o ilustre brasileiro que motivara a diligência havida. A breve trecho, por via do que se passara, o Dr. B. Pereira Monteiro endereçou-me longa e amistosa epístola, que dera início a interessante correspondência, mantida por muito tempo entre nós dois, com manifesto proveito cultural, ao menos para mim, sem falar já na simpatia e respeitosa amizade que dessa maneira se gerou entre ambos. Darei conta, na próxima vez, do conteúdo das missivas, sobretudo do referente à descendência de Francisco Pereira de Beça V. de Barbosa. Antes de terminar, não deixarei de dizer que uma troca de informações de carácter genealógico de gente de Portugal com remotos parentes radicados no Brasil algo haveria de contribuir para a realização prática dos objectivos da tão falada Comunidade Luso-Brasileira.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1971-02-05