Em ordem a tornar mais conhecida a vida e costumes dos que estiveram sujeitos à escravatura dentro do nosso concelho, bem como o comportamento dos patrões tido para com eles - são hoje apresentados aqui dois «captivos» que viveram em S. João de Luzim, na primeira metade do séc. XVIII. Nesse meio século, está registada a presença de outros mais nessa freguesia - de muitos será desconhecida ainda a existência - mas importa agora que só apareçam os dois: um preto e um mulato.
O escravo de cor negra fora trazido para Luzim por um tal Jorge Monteiro, filho de modestos lavradores, residentes no lugar da Fonte, quando regressara de uma estadia no Brasil - sabemos como nesse tempo o Brasil era o maior campo de atracção para os emigrantes da metrópole. Apesar de ser adulto, não viera baptizado daquelas paragens de além-mar «por não saber a doutrina cristã». Foi em Luzim que recebeu o Baptismo depois de a haver aprendido. O Sacramento fora-lhe administrado em 2-2-1718, com certa solenidade, pelo Abade da freguesia - por nome Constantino Lobo de Araújo e Cerveyra. (Este pároco foi sucessor do Ab.e Bernardo Borges Mancilha - falecido a 11-4-1716 e sepultado na capela-mor da sua igreja; o Abade Araújo e Cerveira paroquiou a freguesia até 1739, ano em que ocorreu a sua morte, sendo também sepulto na igreja de Luzim). Ao neófito foi dado o nome de João, porventura em homenagem ao Padroeiro da freguesia. Manuel Gomes, do l. do Fundo, e Domingas, solteira, do l. do Bairral, foram os padrinhos; serviram de testemunhas o P.e
Arcanjo Ribeiro Giraldes - cura de Luzim e morador no l. de Lomar - e outras pessoas mais. Nada posso acrescentar, além do que fica dito, acerca do destino do escravo João. Sei que não morreu em casa do seu dono Jorge Monteiro, ou algures na freguesia - acaso por ter sido vendido para fora de Luzim.
Chegados quase ao extremo do espaço que nos é reservado, e o mulato sem aparecer! Já agora só poderei informar que esse escravo se chamava António de Sousa e que morreu em Luzim a 19-9-1730, com todos os Sacramentos, encontrando-se ao serviço do P.e José Pinto da Mota, senhor da quinta de Sequeiros, na mesma freguesia. Um «captivo» em casa de um padre?! É verdade, que tal consentia a mentalidade das gentes e a legislação do Estado naquele tempo - aos eclesiásticos e até aos conventos! Era então a coisa mais natural deste mundo... Mais direi, por fim, que na casa do P.e Pinto da Mota, além de uns sobrinhos, viviam duas escravas, uma das quais amargurou os últimos anos da sua velhice porque não tinha nenhum «temor de Deos».
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1969-08-08, p.06