Já que falei na origem judaica de João Correia sempre vou referir o que dele consta de memórias genealógicas, mais ou menos conhecidas, ainda que não possa abonar por inteiro a sua autenticidade. Segundo elas rezam, o rico mercador fora natural de Arrifana de Sousa. Quem o saberá? Talvez oriundo de alguma família de marranos que de Trás-os-Montes (terra abundante em judiarias, como se conhece bem da história) descesse a tomar assento no nosso burgo com o fito de encontrar aqui terreno mais propício a transacções comerciais. Fosse como fosse, a verdade é que o dito João, ao impulso do seu génio mercantil, tão peculiar da gente da sua raça, foi levado a tentar fortuna em longínquas paragens, fora do nosso reino. Atraíram-no os empórios do norte da Europa, tão afamados no tempo, e assim «passara à Inglaterra onde fora mercador». Aí enriqueceu e casou com uma inglesa ou flamenga, chamada D. Branca, que foi a sua primeira mulher. Por força de grave agitação político-religiosa viu-se obrigado a regressar a Portugal «com seus cabedais e com sua mulher D. Branca e mais duas filhas que dela tinha havido». Estabelecera-se com sua família no Porto. É de crer (que nessa época já estivesse em efervescência no país a cruzada anti-semita que foi origem de tantos dramas e teve fundas repercussões na vida privada e pública, de carácter religioso, politico e económico-social. Por sugestão do meio ambiente, algum cálculo talvez — sem excluir verdadeira convicção — resolveu o mercador abjurar o judaísmo e abraçar a Fé católica. D. Martim Correia — Deão da Sé do Porto — foi quem lhe ministrou o baptismo. A fim de memorar o facto, João começou a usar então o sobrenome «Correia» do ilustre capitular — à maneira de escudo protector contra suspeições e possíveis aleivosias de algum cristão-velho. D. Branca, sua mulher, e mais as duas filhas é que sofreram com isso profundo abalo psíquico: tresloucadas, ter-se-iam precipitado no Pego da Lada, junto ao cais da cidade, onde se finaram tragicamente. João Correia, depois de enviuvar em circunstâncias tão dramáticas para si, veio a contrair segundas núpcias com Brites Eanes de Madureira, de quem houve geração. Foi nessa altura da vida que reedificou a igreja do Espírito Santo em Arrifana de Sousa, de mãos dadas com sua mulher D. Brites. Segundo teria declarado em seu testamento, realizara esta obra em agradecimento a Deus «pello sacar do Judeismo convertendo-o a S.ta Fé Catholica». Mais acrescento por fim que tudo isto se fundamenta em escritos de genealogistas antigos e de muita nomeada: Alão de Morais, Felgueiras Gaio e Vasconcelos Cirne.
COM A COLOBORAÇÂO DO