Vai satisfazer-se em parte a promessa devida ao prezado leitor com nova referência às artes e ofícios havidos outrora em Arrifana de Sousa. Será informação mui sucinta. A natureza do assunto pedia espaço mais rasgado para se versar tema deveras interessante para a história de Penafiel. Por desgraça de todos nós a pobreza da Cidade é tanta que não consente sustentar-se um boletim cultural, onde se poderia tratar à vontade essa matéria e muito do mais que até agora não foi versado a preceito, respeitante ao património histórico da nossa terra. Por muito modesto que fosse, sempre havia de irradiar alguma luz benfazeja. Tanto mais para lamentar esta lacuna quanto é certo que tal género de publicação existe nalgumas vilas de Portugal, cabeças de concelho. Ficava bem a existência desse boletim em Penafiel, sobretudo agora que nos podemos orgulhar com razão de se terem franqueado novos caminhos para a instrução da nossa gente. Até quando esta «apagada e vil tristeza» de nos vermos privados de tão útil instrumento de cultura? Mas com este arrazoado, cá estou eu outra vez a alongar-me em divagações, quiçá algo inoportunas... Guardemo-nos de mais desvios e encaminhemo-nos a direito ao que fora proposto.
No ano de 1619 vivia em Arrifana de Sousa um albardeiro chamado Ant.° Fernandes. Muitos mais viveram aqui nesse tempo, como também sucedeu em todo o séc. de seiscentos. Podia citar-lhes os nomes e a data da sua existência, que tudo vem muito expresso nos L.oS I e II do Registo paroq. de S. Mart.0 de Arrifana. Nos anos de setecentos acontece outro tanto. Dentro desses dois séculos, na mesma fonte, a cada passo surge um ror de almocreves. Por via da brevidade, dispensamo-nos de alumiar algum. Bem se compreende que tendo sido Penafiel espécie de entroncamento de vários caminhos — vindos da região do litoral e de outras partes distantes, em direcção às Beiras, Trás-os-Montes e terras do Minho — aqui proliferassem albardeiros e almocreves, bem como todas as actividades atinentes ao comerciar e andanças das gentes daquelas épocas. A par de muitos carroceiros, estribeiros e ferradores, era possível nomear um sem número de ferreiros, serralheiros, fundidores e correeiros — todos a trabalhar de mãos dadas no essencial e acessório daquilo que genericamente se pode chamar indústria da selaria. Não se fique a julgar, porém, que não existira no burgo arrifanense arte mais nobre que a feitura das albardas ou ofício mais distinto que o dos homens almocreves. Nesta terra não faltaram obreiros de apurado gosto dedicados a artes de relativa nobreza. Assim o havemos de ver.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1970-10-18, p.06