Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

A senhora mestra da Doutrina ensinou-me que era muito feio meter-se a gente com a vida alheia; de sermões que ouvi, ficou-me a ideia de que a maledicência é uma erva daninha; doutos moralistas sempre me afirmaram que a detracção era autêntico flagelo social. Com esta formação de escola - como é possível encontrar sabor que me deleite nos escandalozinhos, reais ou imaginários, que surgem todos os dias? Assim, claro está, não me fica bem vir contar um «episódio lamentável», com seu quê de mexerico... No entanto, haverei desculpa se olhar à sua moralidade: em qualquer tempo, o homem é capaz de desvarios quando desamparado do bom senso e desprovido de autodomínio. Seja então! O episódio ocorreu há perto de 250 anos, nos arredores de Arrifana de Sousa. O Abade de Guilhufe e o de Marecos entraram em demanda por causa de umas dúvidas acerca dos limites de suas freguesias, no l. da Póvoa (lugar muito antigo...cfr. A Ara de Marecos, p. J. de Pinho—Penha-Fidelis). O pároco de Guilhufe - o maiato Bento Correia de Oliveira - conseguiu que o tribunal eclesiástico lhe desse inteira razão: nada menos de três sentenças contra o Abade de Marecos! A capela da Senhora do Desterro, que no Catálogo de D. Rodrigo da C. (1623) vem apontada como ermida de Marecos - ficou dentro da área atribuída a Guilhufe. Os fregueses de Marecos é que não levaram a coisa muito a bem. «Por contemplação» do seu Abade começaram a «fraudar por todas as vias a execução das Sentensas». Entre os desacatos cometidos, conta-se um que vem narrado na Nota de um tabelião do Porto (J. A. de Morais—P. 1—N. 253-4a s.). Vou resumi-lo.

No dia 18 de Abril de 1729, o juiz da Cruz e outros mais de Marecos foram-se à capela da Senhora e «tomarão a chave della», deixando a porta bem fechada. No domingo seguinte, o capelão da Senhora da Póvoa - P.e João de Sousa, residente em Guilhufe - compareceu no local, como de costume, a hora matutina, para celebrar a Missa «aos pastores». Devido à falta da chave, não conseguiu abrir a porta da capela e foi-se embora «sem dizer missa». Grave transtorno para os pastores e torturante arrelia para o pároco de Guilhufe! 0 Ab.e Correia de Oliveira apressou-se a suplicar ao Vigário Geral remédio para tamanha afronta: «despregar a fechadura da dita cappella e pôr-lhe outra com nova chave para se dizerem as missas dos pastores». A petição foi atendida, sem demora. E depois? Não sei mais nada... Melhor, sei dizer que o marco divisório das duas freguesias lá continua, com sua inscrição - todavia o senhorio da capela, há dezenas de anos, pertence a Marecos. A Senhora da Póvoa, hoje, dá a sua bênção a uns e outros fregueses. Que seja para todo o sempre... Amém!
MONAQUINO
In jornal de Notìcias de Penafiel


publicado por candeiavelha às 00:13 | link do post

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