Em todos os tempos floresceram ao sol do Cristianismo as mais variadas instituições devotadas ao serviço dos homens, impregnadas de espírito sobrenatural, ao menos na sua origem. As confrarias, albergarias e hospitais da Idade-Média — três nomes então aproximadamente sinónimos — foram expressão desse sentimento cristão de amor ao próximo. As albergarias dessa época ficaram bem assinaladas na toponímia do país, mas dentro do concelho de Penafiel existe apenas o topónimo Hospital — em S. Mig. de Paredes e S. Paio da Portela —, se bem que, nos dois casos, só indicativo de terem existido no local bens pertencentes à Ordem militar dos Hospitalários de Leça do Bailio. Transcreve-se da memória paroquial de 1758, referente à Portela, a passagem que assim o confirma: «Ha
no logar de corveira huma caza antiga, e forte de mediana altura, com boa portada, com a Cruz da Religiam de Malta aberta em huma das pedras sobre a porta, que serve de recibo das muitas rendas, que Balio de Lesa tem por esta terra». Sem embargo disso, não deve oferecer dúvida alguma a existência duma albergaria ou confraria do Espírito Santo em Arrifana de Sousa. Essa realidade explicará em grande parte o facto da Irmandade da Senhora da Misericórdia — fundada no Porto em 1499 —, logo no dealbar do século de quinhentos, haver lançado fundas raízes em nosso burgo. De feito, estabeleceu-se aqui, «com compromisso», no ano de 1509, todavia alguns anos antes, «sem compromisso, se lhe avia dado principio, do que se infere que o teve no mesmo tempo que na cidade do Porto» (V. Penha-Fidelis — H. da Mis. de Penafiel, A. M.). A experiência algo similar da Confraria do Santo Espírito teria preparado o terreno para se receber, com franca abertura, a fundação da Irmandade da Misericórdia. A nova confraria teve a sede defronte da actual Matriz, como é sabido, mais ou menos onde teria existido a albergaria, pois no lugar fronteiro se erguia a igreja medieva do Espírito Santo, como se tem repetido muita vez. A que data remontará a Capela de N. S. das Dores, templo privativo da Misericórdia, há muito mais dum século votado a usos profanos? Das linhas que restam da primitiva fábrica se deduz não ter sido edificada antes da Matriz. A mais bela e pujante floração da Irmandade havia de começar no fim do primeiro quartel do séc. XVII com a erecção da Igreja da Misericórdia — principiada em Maio de 1622 — graças à munificência do P.e L. do Amaro Moreira de Meireles.
A terminar, uma pergunta: Penafiel já deu alguma vez digno testemunho público de reconhecimento ao mais insigne benfeitor da Misericórdia? O templo, o túmulo do fundador e a inscrição da capela-mor não serão o bastante para lembrar às gerações dos nossos dias o nome ilustre do generoso Abade de Ermelo.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1970-06-19, p.06