No século dezoito é fácil encontrar numerosos escravos no concelho de Penafiel, mesmo em freguesias pouco favorecidas com meios de comunicação. A corroborar este asserto não era difícil citar nomes e apontar datas. Como não se pretende agora elaborar uma estatística dos escravos existentes entre nós naquela época, mas tão-somente fazer incidir alguma luz sobre o condicionalismo em que viveram - procurar-se-á dar relevo a certos casos de escravidão mais ou menos típicos, que possam constituir uma espécie de índice do regime de vida a que estavam sujeitos então. O primeiro a ser apresentado é um escravo que viveu na freg.a de Bustelo no terceiro decénio da era de setecentos. Em 23-3-1728, no lugar do Tapado daquela freguesia, falecia um proprietário remediado, de nome Francisco Fernandes, que dias antes - já doente, mas «em todo seu perfeito juízo e entendimento» - mandara vir à sua presença o tabelião público Carlos Manuel de Moura e Castro, a quem ditou a sua «derradeira e última vontade». Hoje está vulgarizado o snobismo de se fazerem colecções de qualquer coisa - p. ex., juntar caixas de fósforos. Confesso que sofro também da fraqueza de coleccionar testamentos antigos, mas vejo nisso razão algo justificativa: edifico-me sempre com a profunda Fé que deles transparece e dão-me a conhecer usanças dos tempos idos. Não admira, pois, que possua uma cópia do testamento do Francisco do Tapado. Além de ser um documento um tanto diferente de outros «instromentos publiquos»—estereotipados quase sempre numa forma literária pouco atraente - tem a particularidade simpática de conter em si a concessão de uma alforria, dada pelo testador a um negro seu escravo. Chamava-se este Manuel e tinha vinte e cinco anos de idade. A partir do dia 19 de Março do dito ano de 1728 —data do testamento - o referido negro ficou «forro e livre», de plena liberdade, porque inteiramente «Senhor de si». Demais, Francisco Fernandes impusera à sobrinha Maria Teresa de Jesus, sua herdeira, a obrigação de entregar vinte mil reis ao dito Manuel. Mas a nota mais significativa está no facto de o testador haver declarado que «esta esmola, tanto de o deixar forro como os vinte mil reis», era devida àquele preto «pello servir com todo o amor e lho ter meressido».
COM A COLOBORAÇÂO DO