Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

De novo se põe em foco a personalidade do P.e Mota de Sequeiros, observada mediante, a análise de um caso com certo ar picaresco, originado no mau comportamento de uma escrava - mulher solteira, de cor preta - de que ele era o senhor. Apesar de trivial, este caso poderá dar-nos uma pequena achega em ordem à perspectiva global que buscamos da vida dos escravos entre nós, na era de setecentos. Águeda era o nome da mulher preta que um dia ousara ausentar-se da quinta de Sequeiros - sem dar satisfações ao seu dono - para ir viver em casa de um José Coelho, morador na freg.a de S. Miguel de Rans. Certamente que este facto teve bastante retumbância no meio pequeno e sossegado de Luzim. O P.e Mota, já septuagenário - no desejo de não ver mais perturbada a paz da sua vida, requerida pela avançada idade - resolveu pôr cobro ao escândalo resultante de tamanho desaforo, concedendo à sua escrava uma carta de alforria, entremeada de áspera censura ao rebelde procedimento que teve. Para se formar um juízo mais exacto de como se passaram as coisas, parece-me bem transcrever alguns excertos dessa carta, que foi escrita pelo tabelião Tomás Teixeira de Sousa, em 19-8-1750. Em dada altura desse documento, o P.e Mota aparece a afirmar que «a ditta escrava hera e tem sido muito mal procedida e dezobedjente, sem temor de Deos, o que he publico e notório, e a elle outorgantte lhe não tinha convenjencia algua o querer a ditta escrava Ageda, soltejra, em sua caza delle outorgante, nem de sua famjlia, por todas as sobredittas rezoens e outros mais justtos e honestos respejttos». Mais disse «que de seu próprio motu, livre e geral vontade, sem constrangimentto de pessoa algua, por este publyquo Instromentto, destte dia e hora para todo o sempre, há a ditta sua escrava Ageda, soltejra pretta, por forra e livre, para que seja Senhora da sua pessoa e Liverdade, como se fosse pessoa Branqua». Entretanto a sua libertação ficava dependente de uma «clauzulla» importante, a saber: «a ditta escrava, vivendo neste Reyno, não viveria senão aredada, destta quinta de Sequejros e destta freguesia de Luzim, huma Legoa». Se acaso fizer o contrário, a carta de alforria «lhe não valerá, nem terá força, nem Vigor, em Juizo nem fora delle»; além disso, os herdeiros do outorgante «não lhe darão de esmolla seis mil e coatro sentos reis, em dinheiro, para princípio da sua vida». Enfim, não ficará «forra e livre» e seus herdeiros «a Imbarcarão para o Brazil e a venderão como escrava». A Águeda desta vez não terá sido desobediente ao seu amo...

MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1969-08-22, 0.06


publicado por candeiavelha às 00:18 | link do post

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