Terça-feira, 07.09.10

Encontro-me, com certeza, em dois lugares do Mozinho: a meditar nas fragas de S. Antão ou a caminho do Penedo do Corvo. Com este modo de ser, não me tomem por fala-só, misantropo ou imaturo. Gosto de viver longe do arruido do mundo, a contemplar horizontes rasgados e belezas sem par,- mas não prescindo de comunicar com os homens meus irmãos. Com os antigos direi que tudo que é do homem me interessa. Sinto dentro em mim que o homem é realmente um animal social, apesar dos mil desentendimentos. É por isso que de vez em quando saio da minha Tebaida e vou por essas terras além dialogar com o povo.

Há dias fui de longada até junto da Ameia, na freg.ª de Boelhe. Lá no fundo, todo o lugar se espelha nas águas límpidas do Tâmega. Haverá sítio mais bucólico em toda a redondeza? Sou um tanto suspeito. Também a Ameia me prende, ou melhor, prendem-me os meus avoengos. Está lá uma moradia habitada outrora por uma das minhas avós, de que foram antepassados Aleixo Marques e Madalena da Rocha, recebidos no ano do Senhor de 1612. A Casa da Ameia e sua quinta em redor mudaram de senhorio, no fim do século passado. Anos depois, a Prudencinha do Estremadouro e o Manelzinho do Bairral, unidos pelos laços do santo Matrimónio, para lá foram viver. Deus já foi servido levá-lo; ela, na cama, cristãmente resignada. Fui visitá-la. Com míngua de forças, mas lúcida e de memória pronta, como se tivera vinte anos. Anda nos oitenta e nove! Bisavó da Rosa Maria, que é mesmo um botão de rosa a desabrochar para a vida. Conversamos longamente. A bem dizer, foi só ela que falou. Contou coisas da mocidade e do seu tempo de casada. Era vê-la recordar as festas e romarias, as longas jornadas e os alegres cantares; as feiras de Penafiel, aonde se ia a pé, pelo Marco de Luzim e caminhos pedregosos; a travessia da Barca para as terras de Além Tâmega - todo um passado que já mal se conhece. O que melhor fixei, foi o retrato do seu marido, à maneira de pintura impressionista. Rapariga enamorada fora dizer ao pai qual o eleito do seu coração. Mal pronunciara o nome, o pai logo atalhou: - Escolheste bem. Olha, filha, ainda que tu percorresses o mundo inteiro com um prego bem aceso na mão, não descobririas um homem tão sério como o Manelzinho do Bairral.
Abençoada honradez do Manelzinho - que Deus haja - pois ainda hoje, ao ser relembrada, enche de felicidade o coração da Prudencinha!
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1969-05-23, p.06


publicado por candeiavelha às 00:05 | link do post

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