Terça-feira, 07.09.10

Prezado leitor, não perca ânimo e leve até final uma página amarelecida da vida antiga da Casa da Granja, em Lagares, pelo ano de 1753.

Começa desta maneira: Saibão quantos este Testamento virem em como eu Frey Manoel Leite de Mello, morador em a quinta da Granja... Já se sabe que é a fala dum Cavaleiro professo na Ordem de Cristo. Tinha 68 anos de idade e por causa de padecer de algumas moléstias, resolveu fazer o seu testamento.
Assim dispôs primeiramente: «Falecendo da vida presente, será meu corpo envolto em o hábito de Cristo que tenho com os paramentos que costumam levar os Cavaleiros, e será sepultado dentro da Igreja adonde sou freguês. Meu corpo será acompanhado à sepultura por vinte clérigos de Missa que a dirão por minha alma nesse dia e a cada um a esmola costumada nesta freguesia se lhe dará». Muitas outras Missas deixou ainda de «seis vinténs e cem réis» cada uma.
Mais ordenou que se fizessem quatro ofícios de vinte padres de Missa — como era «uso da sua Casa». Ao pobre que viesse à porta por essa ocasião, seria dado um vintém, por uma só vez. Item declarou «que lhe assistirá música no seu acompanhamento e primeiros três ofícios», encomendando por fim a sua alma a Deus e ao Senhor Jesus Cristo e à Mãe e Senhora Maria Santíssima, ao seu Padroeiro S. Martinho e ao Anjo da Guarda e a todos os Santos e Santas da Corte do Céu. E assim acabou a sua disposição dos bens de alma.
De seguida é dos bens temporais que se ocupa. Quanto isso, deixou no testamento que se cumprisse o que fora estabelecido na escritura dotal celebrada com sua mulher D. Perpétua Luísa Leite de Macedo. Ficaria, pois, usufrutuária dos bens do marido, contanto que não voltasse a casar, porque se o fizesse, apenas «se levantará com seu dote»!
Bem nos lembraremos de certo de já ter ouvido falar que Fr. Manuel e a esposa tinham na sua companhia duas irmãs do Cavaleiro, no estado de solteiras. Chamavam-se D. Francisca Clara e D. Helena Teresa. No caso de D. Perpétua não querer viver com elas, ficava obrigada a dar-lhes uma pipa de vinho, os olivais de S. Paio da Portela, que foram do património do seu irmão P.e Vicente Leite, e mais lhes serão semeados dois alqueires de linho.
O Cavaleiro não se esqueceu também das suas irmãs que eram Freiras no Convento de S. Clara da Vila de Amarante: D. Inês Maria Clara e D. Catarina Josefa de Melo. As duas Religiosas receberiam anualmente «um almude de azeite, doze arráteis de bom linho um porco cevado ou quatro mil e oitocentos réis por ele», conforme já fora determinado na referida escritura dotal.
Finalmente, Fr. Manuel nomeou universal herdeiro de todos os seus bens de raiz o sobrinho Manuel José Ribeiro de Macedo e Melo, morador na Quinta das Quintãs de Valpedre, filho do seu primo Jerónimo Macedo de Araújo e de sua cunhada D. Mariana Luísa Clara Ribeiro. Como importante obrigação, impusera ao dito herdeiro o encargo de pôr trezentos mil réis a juros para com eles se pagar a um Capelão que celebrasse Missa na Capela da sua Quinta da Granja, todos os Domingos e Dias Santos, por alma dele e de todos os seus parentes, recebendo de esmola cem réis de cada vez — tudo isto enquanto durar o mundo.
Enquanto durar o mundo! Santa ingenuidade a deste Cavaleiro de Cristo em acreditar na possibilidade de se impor aos homens, para sempre, uma determinação emanada de qualquer vontade humana. Há quantas dezenas de anos aquelas pedras da Capela de S. António da Granja, na sua impressionante nudez, não são um clamoroso grito de condenação dos homens que outrora votaram ao abandono aquele lugar sagrado!
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1972-05-05, p.p06


publicado por candeiavelha às 06:28 | link do post

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