O último diálogo que tive com o povo foi nas imediações das fragas de S. Antão. Desci a encosta e fui bater à porta dos vizinhos de um lugar assente no sopé do Mozinho, que faz parte da freg.a de S. Paio da Portela. Muitas vezes encontrei este lugar em velhos manuscritos com o nome de Vila Cova. Tal denominação ajusta-se-lhe à maravilha, porque aquela aldeia é mesmo uma grande cova, toda aberta ao sol nascente, protegida de norte e sul por dois braços do Mozinho, que lhe oferece seu imponente dorso, a modos de anteparo, pelo lado do poente.
O facto de ter existido aqui uma vila medieval (cfr. Viterbo, v. Vila Cova) - se não sucessora de outra luso-romana - assegura-lhe uma existência multissecular. Mas não é esse o caso estranho da epígrafe. O que deveras me surpreendeu foi não ter encontrado, entre os anciãos que interroguei, um só que me indicasse onde ficava a Vila Cova. (A medo, ainda houve quem me apontasse o Cimo de Vila, onde existe uma só casa). Coisa tanto mais singular quanto é certo sabê-lo nome corrente ainda em meados do séc. XVIII. Isso está bem expresso, por ex., na memória paroquial de S. Paio da Portela, escrita em 20-4-1758, pelo Abade M. de Barros de Freitas, manuscrito existente na Torre do Tombo. Com a devida vénia, caro leitor, vou transcrever o passo que mais interessa ao nosso caso. É saboroso. Começa desta guisa: «Devide-se esta freguezia, em duas partes; parte de sima, e parte de bayxo em rezam de per meo della comtenuar, a estrada real, que vem da villa darifana de Souza, e de toda a Província Interanemse, para a confluência dos ditos dois rios Tamaga e Douro, vulgo chamado emtre ambos os rios, com lugar grande e aruado, com o nome de Vurgô e comtenua a dita estrada, para as partes de alem Douro e arouca.//...//. Parte de Sima chamase esta parte Villa Cova que compreende, logar do bayrro, com sete vezinhos, o logar da Cruz com sinco, o da costa com des, o do cazal com tres, o do (sic.) passos com sinco, o daldeja de Villa Cova com oyto, o do ribeiro com coatro, o do monte com dez, o de Villa da fê e preirô com tres»
«Estrada real» de Arrifana a Entre-os-Rios, Além Douro e Arouca; Burgo da Rua; Casal, Preiro e Vila de Ufe... Que temas tão ricos! Mas é forçoso reduzir o comentário do texto a mui breves considerações atinentes ao caso de Vila Cova. O vocábulo aldeia,de origem árabe, começou por antepor-se a vila - obliterado o significado desta - para eliminar depois toda a Vila Cova e ficar só ela reinante, por artes da lei do menor esforço. Na Portela de hoje só existe o topónimo Aldeia. O segundo ponto a considerar é que, tomado a rigor o texto, pode-se inferir que a medieva Vila Cova tinha domínio rural, ou pelo menos epónimo, para além dacova de que lhe viera o nome, pois se encontram englobados nela lugares já fora da sua área topográfica, como seja o Preiro e Vila de Ufe. E por hoje, tenho dito.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1969-05-30, p.06