Terça-feira, 07.09.10

Em 12-8-1783, falecia, no l. do Bairro da freg.a de S. Mamede de Canelas, um proprietário remediado, por nome Gonçalo da Silva, de idade de 80 anos, pouco mais ou menos. Era viúvo de Maria Martins, cujo óbito ocorreu em 15-1-1771. A mulher de Gonçalo é que era natural do l. do Bairro - que ele nascera na freg.ª da Sobreira, donde viera casar em Canelas. Houve duas filhas deste matrimónio: Maria e Ana da Silva. A filha Maria casou-se com António de Sá Pereira, oriundo da freg.a de Lobão, e ficou a viver com seu marido na companhia do Gonçalo do Bairro, que teve a ventura de ser avô de dois netinhos - António e Manuel - , a alegria da sua velhice, por tempo superior a uma dúzia de anos. Mas a que propósito vem a descrição pormenorizada deste quadro familiar? Simplesmente para dizer que foi neste ambiente de sossego e exemplar concórdia de família que decorreu, a vida de uma escrava preta, chamada Teresa. Gonçalo era o seu amo. Homem justo e de bondoso coração, não queria que a sua escrava - sempre tão diligente no serviço da casa - ficasse na condição de cativa e desamparada de meios de sustentação. Por via disso - sem embargo das três léguas de distância e da avançada idade que tinha - foi de longada até à cidade de Penafiel, a 9 de Jan.° de 1781, a fim de obter a escritura de libertação de Teresa, que foi lavrada no escritório do tabelião José Lopes Xavier Pinto. No mesmo documento, além da concessão da liberdade, foi também feita doação à escrava de alguns bens, para garantia de um mínimo de sustento, no caso de ela preferir não continuar na companhia dos netos de Gonçalo, depois da morte deste. Os bens doados foram relativamente poucos, mas tida em conta a apertada economia da gente rural do tempo e todas as suas condições de vida, bem como a circunstância do doador não ser pessoa abastada - poderá dizer-se que a dádiva foi generosa. Do texto da escritura consta que ele também, atribuiu à sua escrava - «para ella desfrutar emquanto viva fosse» - doze alqueires e três quartas de pão, acrescidos de dez tostões, em dinheiro, e mais duas galinhas. Destas «medidas» era ele então senhor - «em mança, quieta e pasifica posse» - porque as havia como paga afinal de um campo que aforara a Agostinho da Silva, e como tais as doara. Além das «ditas medidas», também o amo de Teresa fizera doação de «toda a roupa de seu uzo e ouro labrado que lhe tinha dado, e sua cama aparelhada, comforme ella a possuía».

Gonçalo da Silva, no testamento com que falecera ainda deixou recomendado aos herdeiros que tratassem a «sua preta Thereza» com a mesma «estimaçam que elle lhe dava».
Este homem da plebe era pessoa nobre de sentimentos...
MONAQUINO
In Jornal Notícias de Penafiel, 1969-09-12 p.06

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