A presente epígrafe é expressão contida numa das inscrições sepulcrais existentes na Capela do Senhor dos Passos da Igreja matriz de Penafiel. Não obstante já ter sido transcrita e comentada por diversos autores que se ocuparam dos Garceses de Arrifana de Sousa, vamos tomá-la aqui para tema de breve anotação marginal.
Encontra-se ela gravada numa pequena caixa de pedra colocada numa edícula aberta na parede lateral, à direita de quem entra na Capela. O texto completo dessa inscrição é o seguinte: «S(epultura) dos ossos de Santos Garcez da Mota faleceo em serviço delrei em Alemanha. A. 1644».
Não é caso único, mas quem não estiver familiarizado com a antroponímia de outras eras há-de fazer-lhe espécie achar-se a palavra «Santos» empregada como nome de pessoa quando nos tempos modernos sempre nos aparece usada em função de apelido ou sobrenome. Era assim naquele século de seiscentos. Quanto à identificação de Santos Garcês, não poderá existir dúvida alguma, dada a clareza a seu respeito havida nos registos genealógicos. Descendente de João Correia, pelo lado paterno, foram seus pais Cosme Garcês e sua mulher Ana da Mota que viveram em Arrifana de Sousa. O pai, Cosme Garcês, foi tabelião no julgado de Penafiel, cargo público que andara já sem interrupção nas mãos dos seus antepassados (o primeiro a exercê-lo foi Gervaz Garcês, filho de Antão Garcês e de Brites Correia, nossos conhecidos) e que havia de manter-se ainda na família por várias gerações. Santos Garcês era licenciado em Direito. Além de tudo mais, esta foi também uma das razões da sua estadia na Alemanha «em serviço delrei», a quando da ocorrência da sua morte. Mas desçamos a pormenores, a este propósito, por amor de maior glorificação da sua pessoa, e também da nossa terra. Situemo-nos dentro do quadro da política internacional portuguesa nessa época histórica de 1644. D. João IV, é certo, estava reinante, mas a independência pátria não alcançara ainda a indispensável consolidação, por causa da Espanha, mancomunada com a Alemanha, se negar sistematicamente a reconhecer os nossos direitos de nação livre. Eram passados mais de três anos após a aclamação do Rei e a guerra movida a Portugal nesse decurso reduzira-se a escaramuças, sem importância de maior. Só em Maio de 1644 havia de ferir-se a batalha de Montijo, que foi grande vitória do nosso exército. Outra acção, não menos importante que a militar, começou a desenvolver-se no campo da diplomacia internacional, nesse ano de quarenta e quatro, em ordem a promover «o equilíbrio europeu». Era urgente que o Estado português neutralizasse os manejos dos nossos inimigos na batalha diplomática a travar no território de Vestfália. Foi nesta difícil conjuntura que o L.do Santos Garcês foi convidado a prestar «serviço delrei em Alemanha».
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1970-05-22, p.06