Sem atavios de estilo, vai descrever-se aqui um préstito fúnebre, havido noutros tempos, com seu termo na igreja da Misericórdia de Arrifana de Sousa, que tivera de verdade «pomposo acompanhamento». Séquitos desta natureza devem interessar pouco ao leitor, mas o caso presente, creio eu, há-de merecer-lhe alguma curiosidade, se o não conhecer já doutra fonte.
O acontecimento teve lugar no ano de 1728. Encontra-se narrado em nobiliário manuscrito, guardado na Biblioteca M. de Penafiel, da autoria do genealogista P.e H. Moreira da Cunha, que li há muitos anos, de fio a pavio. O autor, depois de tecer encómios às «letras divinas e humanas» e «prendas e virtudes» dum sobrinho, em 3.º grau, do Abade do Ermelo (o nosso conhecido P.e Amaro Moreira), chamado José Monteiro Moreira — baptizado, a 16-5-1688, em S. Cristóvão de Louredo, freguesia onde moravam seus pais — conta ele Moreira da Cunha que tal sobrinho fora casado com uma rica-dona da rua Nova de S. Nicolau, no Porto, de nome Josefa Joana Salazar. Filha única dum Familiar do S. Ofício e de sua mulher Josefa M.a de S. Rosa — esta, irmã do M. Rev. Padre-Mestre Fr. José dos Santos, Guardião que foi de vários conventos franciscanos —, D. Josefa Joana trouxera com dote «cincoenta e tantos contos de reis e uma das melhores casas da dita rua». José Moreira e sua mulher viveram alguns anos felizes, com quatro filhos que Deus lhes dera. Sendo estes ainda de menor idade, faleceu prematuramente sua mãe nas moradas da Quinta de Louredo, donde, foi conduzido o féretro para Arrifana de Sousa — caminho aproximado duma légua. «Com pomposo acompanhamento» saíra «ao cerrar da noite...». Cerca de trezentas pessoas, «todas a cavalo», em representação das casas principais de «duas a três léguas em circuito», iam na dianteira do cortejo fúnebre, seguidas de muita gente «a pé». Vinha depois grupo numeroso de eclesiásticos, superior a uma centena deles, «com suas sobrepelizes e tochas». Chegados que foram ao burgo de Arrifana, o corpo de D. Josefa, após longa encomendação, baixara naquela noite a uma campa aberta na capela-mor da igreja da Misericórdia. Nos dias seguintes houve «ofícios gerais», O terceiro desses actos litúrgicos realizou-se na mesma igreja com a presença de «todas as pessoas nobres daquelas vizinhanças» e a assistência «de mais de quinhentos sacerdotes», contando clérigos seculares, Abades e Reitores, frades e Prelados de várias Ordens.
Sempre eram tempos aqueles de sobeja clerezia!
Em face de tudo que escreveu o P.e Moreira da Cunha no seu nobiliário, pode concluir-se que a fundação do P.e Amaro Moreira — de fora parte os grandes benefícios trazidos à Misericórdia — muito contribuiu para engrandecer religiosa e socialmente Arrifana de Sousa e dar marcante relevo, na sociedade do século XVII e XVIII, aos membros da sua família, tão numerosa na região de Penafiel e terras circundantes.
MONAQUINO