Vozes desatinadas dos homens — filhas do pertinaz orgulho que lhes consome a alma — perturbam a cada passo a quietude da vida contemplativa que há longo tempo o Monaquino professou, na Tebaida do Mozinho. Ainda não há muitos dias estava ele todo absorto na meditação da contingência e vaidade das coisas deste mundo, senão quando estranha voz o veio apoquentar (provinda de certa varanda implantada no jornal «O Penafidelense»), que lhe dissipou por inteiro o espiritual deleite em que se encontrava enlevado. Aconteceu isto em 20/10/70.
A memória do Monaquino, já um tanto descalabrada, não foi capaz de reler fielmente (ipsis verbis) os dizeres dessa voz esquisita, mas as ideias e sentimentos que deles ressaltavam, podem expressar-se, mais ou menos, na seguinte forma sintética:
— Eu, advogado da verdade e da justiça, aqui declaro, do alto desta Varanda de Cultura, ter sido o primeiro escritor a concluir, com seguro fundamento, que o autor da «Descrição Hist. e Topog. da cidade de Penafiel» era natural de Coimbra. Para tanto levei a cabo conscienciosa investigação exaustiva, que se prolongou de Dez.° de 69 a Out.o de 70. Fiquem sabendo todos que só cabe a mim a glória de ter provado que o Dr. Ant.° de Almeida não foi nado em Penafiel, como alguma vez se afirmou.
Graças ao autodomínio — adquirido à força de constantes penitências, na Tebaida — o Monaquino pode escutar imperturbável e mansamente tão angelicais falas: porém, os inalienáveis direitos da Verdade é que logo se levantaram a pugnar pela sua legítima defesa. Por artes de uma espécie de desdobramento de personalidade, — surgiu um curioso diálogo entre o Monaquino e a sua consciência. Começou esta a interrogá-lo da seguinte maneira:
— Dize-me cá, não foi certo que tu, Monaquino, neste ano da graça de 70,a 6 do mês de Fev.°, no «Notícias de Penafiel», afirmaste que o Dr. Ant.° de Almeida era de «origem conimbricense»?
Monaquino, na sua edificante modéstia, respondeu:
— Lá isso é verdade. Asseverei-o muito convicto da veracidade do facto, mas talvez não tivesse apresentado a minha afirmação devidamente documentada...
A Consciência, com gesto enérgico, retorquiu:
— Ó alma de Deus! pois não te lembras que, em abono da tua asserção, citaste então dois escritos do teu velho amigo Moreira da Rocha — um de 2 e outro de 23 de Fev.° de 1962 — publicados no mesmo sobredito jornal, em que se fala da naturalidade e vida do Dr. Ant.o de Almeida, com tais pormenores de datas, pessoas e lugares, que ninguém de boa fé deixará de reconhecer que o autor, ao dar-lhes publicidade, tivera diante dos olhos fontes de informação fidedignas, de incontestável autenticidade?
Monaquino, nesta altura da conversa, baixou a cabeça, em sinal de muita concentração de espírito, e alguns momentos após, dirigiu à Consciência as seguintes palavras:
— Leal e querida companheira, tens muita razão em tudo que disseste, mas hoje em dia rareia a gente que pensa e obra de boa fé! Por via disso, (quer dizer, por causa da ausência de integridade de carácter, de lisura e maneiras decentes dos homens), decidi-me publicar toda a documentação, em minha posse, respeitante ao Dr. Ant.° de Almeida, — que me foi doada em vida pelo meu inesquecível amigo M. Telda R., — que tenho arrecadada numa arca velha, ao canto da minha cela. O primeiro documento a sair é uma cópia do assento do baptismo do historiador Ant.° de Almeida.
Texto do referido documento:
= Aos três dias do mez de Agosto de mil sete centos e sessenta e sete annos Baptizei solenemente António filho de Caetano de Almeida, Barbeiro, e de sua mulher Francisca Thereza da Piedade morador (sic) no largo da Feira: Netto de João de Almeida natural de Teloza, e de Thereza da Silva Caldeira natural da Villa de Arganil; e materno de Domingos Francisco Laboira, e de Maria Rodrigues de Barros ambos do lugar e freguesia de São Vicente de São Galhos: Foi padrinho o R.do Cónego Antonio Vicente de Vasconcellos, tocou com procuração sua João António Bezerra Professor Régio, e madrinha Thereza de S.ta Rosa porteira do Recolhimento da Misericórdia tocou com procuração sua seu sobrinho o Doutor António Joze das Neves, e para constar mandei fazer este afsento que afsignei. Coimbra dia mez e atino ut supra = O Prior encomendado Manoel do Espírito Santo e Sousa =
Até à semana, se Deus quiser.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel