Fez-se alusão da última vez a uma freira — irmã de José Urbano, Capitão-Mor de Penafiel — que do seu Convento da Madre de Deus de Monchique, no Porto, veio para as Quintãs de Valpedre, «afim de tomar banhos e agoas sulfureas». Esta breve informação, colhida no próprio assento do óbito da Religiosa D. Joana Bernardina do Amor Divino — falecida nas Quintãs em Fev.o de 1815 — sugere-nos um ligeiro comentário.
O amigo leitor, no caso de lhe haver merecido alguma atenção tal referência, talvez tenha perguntado a si mesmo se as mencionadas «agoas sulfureas» seriam as das Termas de S. Vicente ou da Torre. Bem sabido é que nenhuma das actuais estâncias termais existiam naqueles recuados tempos do princípio dos anos de oitocentos, pois que ambas remontam ao final do século passado. Que águas sulfúreas seriam então essas que a Freira do Amor Divino veio procurar à nossa terra, para alívio dos males que padecia? Cá por mim direi que foram as águas sulfurosas da Torre. Este meu pensar baseia-se no facto de Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno (voc. Portela), ter escrito por volta de 1876, que essas «famosas águas» — erradamente «denominadas d'Entre os Rios» — começaram a usar-se desde 1790, «como medicamento interno», com «maravilhosos resultados em várias doenças, sobretudo em padecimentos de estômago». Não vale a pena discutir a historicidade do caso, mas penso que sempre havia de ser causa de muito agoniar os enfermos terem de ingerir tais águas sulfúreas...
Conforme nos garante o citado autor, «os médicos do Porto», nessa longínqua data, encontraram nelas mais «vantagens» que em quaisquer outras. Daí a sua comercialização. No tempo de P. Leal, as águas d'Entre os Rios «se exportavam constantemente em grande escala (engarrafadas) para todos os pontos de Portugal, e para o estrangeiro, principalmente para o Brasil».
Em 1815 e mesmo em 1876, as águas de S. Vicente, bem como o balíneo romano, ainda se encontravam soterradas, devido aos depósitos de aluvião ali acumulados.
Regressemos às Quintãs de Valpedre. Sem ter conseguido minorar os seus padecimentos, a freira do Mosteiro de Monchique aí falecia em 2-2-1815. Gravemente enferma, recebeu os sacramentos da Penitência e da Extrema-Unção. O não ter sido possível confortá-la com o «Sagrado Viático» leva a crer que o seu mal seria padecimento de estômago.
Morreu acarinhada pelo irmão José Urbano e pelos sobrinhos, filhos do «Capitão-Mor graduado». Quem sentiria mais profundamente a morte de D. Joana Bernardina seria sua irmã D. Casimira do Monte Carmelo, Religiosa também no Convento da Madre de Deus (se é que viva ainda então). Juntas, muito jovens talvez, foram da casa de seus pais professar no Mosteiro de S. Clara de Caminha. Em 1779, graças às diligências efectuadas por seu irmão José Urbano, transitaram juntas para o Convento da Madre de Deus de Monchique, no Porto. Para tanto, foi necessário obter um «Breve Apostólico» acompanhado do indispensável «Beneplácito Régio». Coisas deste género se passavam nesse tempo, e muito mais tarde ainda, no Reino de Portugal fidelíssimo, por intromissão indirecta do Estado nos domínios do Espiritual.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1972-06-09, p.06
COM A COLOBORAÇÂO DO